quinta-feira, 17 de maio de 2012

Down no high society

Ela acorda todo o dia e faz tudo sempre igual.
Se sacode pra acordar às seis horas da manhã.
Não tem nenhum sorriso pontual.
Nem beijo com a boca de hortelã.
Pega o ônibus e desce em algum supermercado por aí.
Coloca o uniforme, senta no caixa.
Passa um, passa outro, uns a olham, a maioria não - estão mais preocupados com seu próprio mundo.
Mesmo que ouça as respostas para os seus "bons dias" e "boas tardes" de protocolo, a voz que mais ouve é a da maquininha que registra os preços - "pip, pip, pip...".
Aquele trabalho, que antes fora uma conquista, é, agora, com a percepção da solidão em meio à multidão que passa defronte aos seus olhos, no alcance de um toque, um fardo, um cotidiano triste.
Ela, que sempre fora sorridente e que ficou mais ainda depois que conseguiu se inserir apesar de suas deficiências, aos poucos foi entendendo que a beleza é efêmera, que é preciso estar constantemente renovando seus momentos.
E ela já entende também que o gerente está ali atrás não para apoiá-la, como um amigo que parecia que era, mas, sim, para fiscalizá-la, não acreditando que seja possível confiar totalmente na superação de suas dificuldades.
Então, ela espera e segue fazendo tudo sempre igual.
Iogurte, pip, pão, pip, frios, pip, sabão em pó, pip...
Mas o que será isso, agora?
Ela pega aquela planta esquisita, a toca.
Quem está na fila e percebe acha meio estranho.
Ela olha para o rapaz, dentro dos seus olhos, como nenhuma caixa de supermercado deveria ousar fazer.
"É um cactus, né?".
Sim.
"Quantos espinhos!".
É espinhudo como as mulheres.
Ela demora com aquela resposta, suas feições mudam e passam por todos os sentimentos.
De repente, aquela intrigante colocação a desafia mais do que a conta pronta dos centavos a serem doados que exigem toda hora dela calcular.
"Mas é lindo!".
É lindo como as mulheres.
E, simples assim, o seu sorriso está de volta.

Um comentário:

Rica Retamal disse...

Excelente texto, Guga!