quarta-feira, 29 de outubro de 2008

OS MIDIOCRATAS E A DERROTA ELEITORAL DE MARTA

* retirado do Vi o Mundo. Texto excelente que poderia ser perfeitamente a leitura do que ocorreu em Porto Alegre, sem tirar nem pôr, apenas trocando-se os nomes dos atores.

As derrotas de 26 de Outubro: as lições do fracasso

por MAURO CARRARA

As lições de uma eleição decidida pela negligência da esquerda e pelo empenho dos midiocratas

Primeiramente, por razões óbvias, é necessário definir o que é esquerda neste contexto. Inclue-se aqui o PT, o PCdoB e uma pequena parcela do PSB. O PPS constitui-se hoje em sigla lucrativamente alugada à direita. PSOL, PSTU e PCO orbitam na nebulosa região do fanatismo, do cinismo invejoso ou da insanidade militante.

Portanto, tomemos como referência aquelas agremiações que podem ser seriamente entendidas como esquerda no Brasil. Foram dolorosas suas derrotas (todas da agremiação de Lula) em São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Juiz de Fora e, especialmente, em Santo André, reduto histórico do Partido dos Trabalhadores.

Há, de certo, ingredientes diferentes em cada uma das disputas. No entanto, apresentam-se também elementos comuns que podem lançar luzes sobre o malogro pontual dos vermelhos.

1) O Brasil caminha celeremente para um cenário de tripartidarismo. De um lado, a esquerda. De outro, a direita, representada, sobretudo, pela dupla PSDB-DEM. Ao centro, consolida-se uma massa fisiológica (ainda que tendente à direita) que oferece seus préstimos a quem melhor pagar.

2) Em cidades como São Paulo, o eleitorado também costuma se dividir em três. A esquerda tem a simpatia de 30% dos paulistanos. A direita tem seus 30%. Outros 40% são disputados a cada confronto. O que se verifica, entretanto, é que a ala destra midiocrata tem estabelecido um diálogo freqüente e eficaz com significativa parcela desse eleitorado de centro.

3) Nesses processos, que se repetem em outras cidades, o anti-petismo tende a alinhar todos os "inimigos" da esquerda na prova do segundo turno. Os números da apuração mostraram que Marta Suplicy mal conquistou os eleitores de Soninha, a moça seduzida por José Serra num camarote do Parque Antarctica.

À parte essas considerações, é necessário que se leve em conta o papel determinante da mídia na definição das eleições. Mais descarada do que em outras ocasiões, a imprensa paulista e paulistana trabalhou diuturnamente para desconstruir a imagem de qualquer candidato que se apresentasse sob a legenda do partido de Lula.

No caso da terra bandeirante, os principais difusores de opinião, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, trabalharam disciplinada e obedientemente para incompatibilizar a candidata petista com o eleitorado.

O "relaxa e goza" foi repetido mil vezes pelos articulistas. Pintou-se a loura como arrogante, fútil e até como esposa infiel. Tudo que era particular foi incluído no processo de injúria e difamação.

No entanto, a primeira indagação de cunho pessoal lançada contra o candidato Kassab gerou um escândalo conveniente e hipócrita. A revolta dos midiocratas foi imediata e para lá de estridente.

Em Agosto de 2.008, por exemplo, o articulista Contardo Calligaris, da Folha, disse o seguinte à revista Imprensa:

- Não estamos falando apenas da divulgação do imposto de renda, mas inclusive com quem ele [político] transa. Isso interessa a todos a partir do momento que é candidato.

Já em Outubro, no calor da disputa pela Prefeitura, mudou de idéia:

- Para a maioria, menos desavisada do que parece, essas perguntas assinalam que as campanhas de Marta e de McCain estão dispostas a uma boa dose de indignidade moral para se manterem em vida.

Para esse tipo de funcionário do publisher José Serra, a coerência não tem a mínima importância. Se necessário for para atender seu chefe, o articulista pode bem defecar na cabeça de seus leitores. Faz parte desse tipo de jogo de sabujos.

O jornalismo da Folha nos brindou com inúmeros outros exemplos dessa estratégia de esculacho informativo.

No dia 24 de Outubro, por exemplo, a versão eletrônica do jornal tratou alucinadamente da carta enviada pela Prefeitura a famílias que seriam despejadas.

O título deveria entrar para os anais do cafajestismo midiático:

- Marta arma pegadinha para Kassab em debate com suposta carta de despejo.

O termo "pegadinha" leva o leitor a acreditar que se trata de uma farsa, numa referência que coloca sob suspeita a candidata. Afinal, é isso que as pessoas entendem da expressão. "Pegadinha" é a tramóia lúdica de Sérgio Malandro. Coisa de enganar. Coisa de iludir.

Em seguida, utiliza o termo "suposta" para descaracterizar a denúncia. Os vassalos tecladores da Folha nem se deram ao trabalho de checar a informação. Os assessores de imprensa do DEM talvez fossem mais cuidadosos do que os folhistas em questão dessa importância.

No dia seguinte, o mesmo UOL reconheceu a autenticidade do documento num texto truncado, ilustrado por um Kassab sorridente em meio a um bando de correligionários, numa festa no bairro da Liberdade. A Folha, tal qual porta-voz do candidato, afirma sonsamente que a carta foi coisa do "quarto escalão" da Prefeitura.

Opus Estadão

Para liderar a campanha de Kassab, o Grupo Estado precisou submeter-se a um radical processo de modificação na cobertura da área de Cidades.

Desde Abril, o editor-chefe José Roberto Gazzi (ex-editor de Cidades) trabalhou para transformar a redação em uma espécie de agência de publicidade. A estratégia principal foi exagerar o impacto das obras de Kassab e, ao mesmo tempo, esconder tudo que lhe fosse negativo. No Estadão, os jornalistas obraram estimulados por mimos generosos ou coagidos pelo implacável chicote.

A supervisão desse trabalho esteve a cargo de Carlos Alberto Di Franco, numerário da Opus Dei, emissário no Brasil da ultra-conservadora Universidade de Navarra e diretor do curso Máster em Jornalismo. Estranhamente, deu as costas a seu colega de seita, o alquimista desempregado.

Entre outras atividades, Di Franco costuma aliciar jovens jornalistas e conduzi-los a cursos de "aperfeiçoamento" na Espanha. O ferrenho defensor da moral e dos bons costumes, discípulo do Monsenhor Escrivá, continua respeitado pela família Mesquita, mesmo depois que foi encontrado em trajes sumaríssimos vagando assustado pelas margens do Rio Pinheiros.

O Estadão tratou de informar com timidez ou simplesmente ignorar todos os lances da prisão do fiscais mafiosos da Mooca, na Zona Leste. Os líderes do grupo eram o braço direito do subprefeito e um dedicado cabo eleitoral de Kassab. Boa parte das matérias levantadas pelos repórteres acabaram na lata de lixo do editor-chefe, usuário permanente do chamado "telefone azul", linha de conexão direta com o governador José Serra.

A negligência vermelha

O processo de desconstrução da imagem da esquerda tem como referência também a incapacidade das lideranças em oferecer respostas rápidas e assertivas às falsidades e deturpações produzidas pelos midiocratas.

Logo após o embate entre policiais civis e militares, diante do Palácio dos Bandeirantes, o editor-chefe de todos veículos de comunicação foi à TV imputar ao PT e à CUT a responsabilidade pelo conflito.

Ora, se o governador usa som e imagem para acusar uma entidade, o que se espera dos caluniados? Qualquer manual básico de guerrilha informativa dirá: valha-se do mesmo "canal" (a TV) e desminta o acusador no tom indignado que a situação exige.

O presidente do PT estadual (que é jornalista!!!), entretanto, preferiu emitir uma notinha escrita para rebater as acusações. Se estivesse alerta e soubesse lidar apropriadamente com o problema, deveria ter convocado uma coletiva de imprensa. Assim, diante das câmeras, poderia contestar o governador.

A burocracia interna, a desmobilização da militância e a ausência de uma política de comunicação efetiva têm produzido sérios danos à esquerda brasileira, especialmente ao PT.

As respostas são lentíssimas. Por vezes, não há resposta alguma. Os midiocratas afirmam o que bem entendem, sem contestação. Muitas vezes, os próprios petistas se orgulham (ridiculamente) de aparecer na Folha ou no Estadão, o que apenas empresta credibilidade a seus algozes.

Até recentemente, parte dessa campanha difamatória permanente era combatida no boca-a-boca, na atuação determinada da militância. Esses grupos de abnegados, entretanto, remanescentes da excelente (e antiga) política de nucleação por bairros, desapareceram. O PT de base foi substituído pelo PT parlamentar e pelo PT das altas instâncias partidárias.

Perdidos e tontos

Poucos meses antes da eleição, a região Brás-Mooca sofria com a já citada livre ação da máfia dos fiscais. Ainda assim, o subprefeito local ganhou uma elogiosa matéria de capa, com 9 páginas, na revista Planeta Mooca, que tem tiragem de 10 mil exemplares. Eduardo Odloak, membro veterano da Juventude do PSDB, é ali tratado como um superstar pop. Nada se relata de suas ligações com a máquina da extorsão no comércio popular.

A esquerda distrital e municipal, entretanto, não apresentou qualquer contestação à cobertura laudatória. Subestima-se, hoje, tremendamente, o poder de persuasão da chamada imprensa de bairro. Nela, tanto na Capital, como em cidades do ABC, como Santo André, as forças conservadoras atuam de maneira ativa, comprando espaços editoriais para enaltecer seus representantes ou para enxovalhar a esquerda.

Entre perdidos e tontos, um ou outro ainda recorda a necessidade urgente de se constituir um "UOL vermelho" ou um jornal impresso que se proponha a oferecer informação limpa e variada. Afinal, não se pode pensar num veículo destinado a tratar exclusivamente de política.

Um dia antes da eleição paulistana, o Corinthians sacramentou seu retorno à elite do futebol nacional. Ao mesmo tempo, o Palmeiras perdeu de 3 a 0 para o Fluminense. São fatos importantíssimos no contexto do esporte, especialmente para os milhões de torcedores jovens que foram ler sobre esses jogos nos portais de Internet da Folha, do Estadão e da Globo.

Nesse momento, foram logo bombardeados por toda a campanha midiocrata a serviço dos candidatos conservadores. Ali, as manchetes tinham caráter imperativo, escoradas nas pesquisas de opinião: "Kassab deve ser eleito".

Na Itália, onde a esquerda enfrenta uma crise sem precedentes, acumulam-se inúmeros equívocos políticos e também uma desmobilização dos núcleos sindicais e cooperativos de militantes. Gramsci foi quase esquecido e não há um projeto pedagógico para a formação de novas lideranças. Os vermelhos lá são velhos, fenômeno que começa a se reproduzir também no Brasil.

Ainda assim, há pelo menos dois jornais de alcance nacional a serviço das idéias transformadoras, ambos com sites na Internet. Aqui, nem isso. Nada. Coisa alguma. Um vácuo de palavras. Vivemos uma ditadura informativa liderada por truões como Reinaldo Azevedo, Mainardi e outros pilantras bem remunerados. Enquanto isso, na sala de controle, os perdidos e tontos, órfãos da mídia, contentam-se apenas com migalhas.

3 comentários:

Claudinha disse...

Encaminhei este importante texto para o João Ferrer - jornalista da bancada do PT na ALERGS - e Rodrigo Oliveira, coordenador de comunicação do PT Municipal.
Silêncio absoluto. Esta turma não quer pensar mesmo.

Mudando, mas não muito, o foco do assunto, novidades no front! Me liga amanhã de tarde!

Claudia.

Anônimo disse...

Enquanto preferir-se seguir acreditando na ilusão e nas bravatas da política partidária, sempre oportunista e passível de cooptação, vai-se seguir confundindo conceitos caros à sociedade.

Cidadania é algo muito mais amplo do que o voto.

Participação é muito maior do que se envolver com partidos e sindicatos que fazem muito pouco para mudar o estado das coisas.

Esquerda é solidariedade, é trabalhar pela ética, pela transparência, pela verdade, pelo envolvimento, pela participação e, mais do que qualquer outra coisa, pelo desenvolvimento sustentável com distribuição de renda.

Ou muda-se o sistema e aprende-se a usar as mesmas armas da direita, ou não se consegue nada.

Não se faz mais política como em 1964.

[]'s,
Hélio

Anônimo disse...

Enfim... A grande burrice da maioria dos simpatizantes da política partidária de esquerda é querer tomar o poder sendo impossível deixar de ser minoria em todos os parlamentos.

A classe média é conservadora. A miséria e a pobreza diminuem no Brasil de tal forma que quem deixou de passar necessidades torna-se reaça por duas razões: 1) morre de medo de voltar à sarjeta e acaba cuspindo no prato em que comeu; 2) o que mais quer é ser aceito e incluído por aqueles que passaram séculos os explorando sem dó nem piedade.

Resistência pós-moderna é descentralização, é discussão de uma grande quantidade de pequenas demandas e procurar atrair a atenção de pessoas de esquerda, de direita, ricas, pobres, pretas, brancas, católicas e atéias para a solução daquele problema comum.

Ninguém tem tempo, vontade ou conhecimento de causa suficiente para envolverem-se com causas macro.

[]'s,
Hélio