sexta-feira, 29 de maio de 2009

PRBS espetaculariza o que não devia - está passando dos limites aceitáveis...

Passem os olhos por algumas das imagens da campanha contra o crack agora levantada pelo PRBS. Percebam algumas das montagens que serviriam para representar o viciado. É, por vezes, constrangedor...
Uma campanha que se mostra tão maquiada quanto a modelo do anúncio - sim, campanha como anúncio publicitário. Porque não se está falando de jeans descolados de alguma grande marca, ou a nova coleção outono/inverno de alguma loja nova do Barra Shopping. Se está falando de crack, de droga pesada, de fedor.
E este fedor não usa sombra para delinear os olhos como se fosse tendência comportamental da juventude urbana. Este fedor não é branco. É negro, é sujo.
Ele não está na bonitinha tatuada, mas está na menina negra, portadora do HIV, tuberculosa, dormindo no banco, respirando difícil, com um olho entreaberto, morta-viva.
E fede demais. É um cheiro que entranha no corpo, que se espalha como uma nuvem, como fumaça saindo de vidas despedaçadas, pouco a pouco, clamando pela morte.
Não há nada de bonito no crack, não há nada que possa sequer se parecer com um anúncio de moda. Não há nada de classe média no crack...
O maniqueísmo dessa campanha é tão aberrante que enoja mais do que a própria droga em si. Esta é uma epidemia que vem se alastrando há tempos pela cidade de Porto Alegre, mas que aparece, agora, como novidade, enfeitando as páginas da ZMentira e do ClicPRBS, alavancando um sentimento de responsabilidade social naquela que é a empresa que procura ditar os comportamentos da maioria da população gaúcha, maquiando - como maquiou os seus modelos - uma intenção de auxiliar a quem precisa.
Será por que o crack está chegando nas coberturas dos bairros nobres? Será por que pulou os muros dos casarões?
Qual será a fórmula mágica que sairá estampada em camisetas limpas, branquinhas, posadas nos articulistas da grande mãe da mídia gaúcha? Como as famílias devem se portar diante deste problema? "Meu filho conseguirá ler?" - o que comprar, o que vestir, o que dizer em uma entrevista de emprego, para que time torcer, em quem votar, quem é o culpado... Eles dão respostas para tudo. E agora? Qual o final disso?
No final, tudo será varrido para baixo dos tapetes da rua, e quem sofrerá com a continuidade dessa epidemia será o espaço público, sem importância, das praças escuras e viadutos das vias mais movimentadas.
E, então, o PRBS achará outra campanha para fazer, outro mote para soltar todo o seu preconceito de classe, que se apresentará triunfalmente nos seus canais, bradado por algum de seus apresentadores almofadinhas, que questionará: "Quando as ruas de Porto Alegre voltarão a ser dos seus cidadãos?".
E reiniciaremos todo um ciclo, reiniciaremos como se as mentes fossem reformatadas, usando o vício do crack como desculpa para limpar a cidade de seres imundos, sujos e ameaçadores.
"Queremos nossas ruas de volta!" - alguém gritará do auditório milimetricamente montado. Algum funcionário da segurança pública do estado concordará e dirá que é complicado, que essas pessoas trazem insegurança e que a polícia prende, mas logo eles já estão lá, na rua, de novo, amedrontando os pobres cidadãos de bem da Porto outrora Alegre...
E reiniciaremos o ciclo tudo de novo, mais uma vez, de um novo jeito, mas com o velho resultado: o fedor, o fétido cheiro da exclusão, podre, doente, triste.
Algum time será campeão de algum campeonato, alguma empresa trará investimentos para a cidade, haverá um novo megaempreendimento imobiliário na cidade, os shoppings se expandem, algum gaúcho ganha prêmio no exterior, os clubes lutam por seus atletas olímpicos, a Copa está chegando... E a menina aquela agonizando.
E tudo será esquecido, ficará restando apenas o cheiro, aquele fedor horrível...

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Essa menina que menciono tem nome, mas eu não vou revelar, eu a conheço, a encontro seguidamente, seja pelas ruas da cidade, seja nos projetos que montamos. É real, nua, crua. É mãe. Várias vezes. Ela fala, tem opinião e é forte, muito mais do que podemos sequer imaginar.

5 comentários:

Unknown disse...

Muito bonito esse teu post, cara. Realmente muito chocante. Conheço também pessoas usuárias, mas que ainda não chegaram ao estágio de roubar para comprar, só vendem pertences seus.

Mas o ponto que eu quero chegar é o seguinte: por ser a ZH, RBS e afins, empresas privadas, não teriam elas o direito de falar para quem as escuta? Qual o problema de dar mais atenção às classes mais favorecidas em detrimento das menos favorecidas, se são exatamente estas que estão pagando a eles para escreverem sobre o que eles querem? Há outros jornais que mantêm uma imparcialidade. Tudo bem, é a posição deles. Mas tem que ver, que também há jornais parciais. O que também é problema deles.

É claro que a campanha contra o crack começou quando a mãe de classe A matou o filho. Antes disso, não havia interesse em comentar os fatos. Mas te pergunto: quais outros jornais manifestaram interesse antes disso? Não vi nenhuma nota digna, antes e depois do fato da mãe/filho, no Correio do Povo.

Eu por exemplo, não gosto de certas posições tomadas pelo Correio do Povo, que eu assino, porém, não crio crise, sem que tem gente que se representa. Igualmente a Zero Hora, que eu também sou assinante.

Um abraço.

Guga Türck disse...

Pois é, Bruno.
Em termos de bom jornalismo em jornais de grande circulação, estamos em maus - péssimos - lençóis aqui no Rio Grande do Sul. Aliás, no Brasil são muito poucas as alternativas de uma comunicação responsável, sem rabo preso com interesses escusos. Afinal, é a própria história de constituição desses veículos todos que responde os porquês de um tipo de comportamento classista, preconceituoso, sem compromisso com os fatos... e por aí vai.
A ZH, por exemplo, nasceu em plena ditadura - e PELA ditadura, dá para se dizer. Faz parte de um monopólio, as leis da Constituição Federal, que regulamentam a concentração de meios de comunicação, não fazem efeito no grupo do PRBS, que, sim, se comporta como partido...
É triste, mas apesar de todo aspecto positivo que levantas - que, de uma certa forma, existe e tu expões muito bem -, não consigo enxergar nada de bom vindo de lá, ainda mais com este aspecto que eu detalho no meu texto, da espetacularização, das modelos brancas e lindas, tatuadas na cintura... Sei lá, me parece que a construção desse tipo de significado pode nos trazer, inclusive, resultado inverso, exatamente pela linguagem publicitária utilizada.
Sem falar que no fundo a idéia é cooptar novos leitores (leia-se "clientes"). Pra teres uma idéia, ouvi o Wianey Carlet no sábado sendo interpelado por e-mail pelo Rafael Bandeira, ex-presidente do Grêmio, que tem um posto de gasolina do lado da sede do PRBS. O cara leu no ar a íntegra do mail, até porque são da mesma "turma", e ali o Bandeira dava um sem número de elogios para a campanha contra o crack. Como não editaram o texto, o Wianey foi até o final, quando se era questionado como ele poderia se inserir na campanha, de que maneira poderia participar... Qual a resposta??? "Olha, não sei..." e tal.
Meu Deus!!! Se os funcionários maiores encampam a campanha, vestem a camiseta e não são orientados sobre como funciona todo o processo é porque NÃO EXISTE CAMPANHA DE VERDADE!
A companheira o radialista, provavelmente percebendo a gafe, entrou rapidinho pra ajudar e deu o endereço do site para acessar e ver como se engajar...
Cara, quer dizer, com certeza é jogo de cena tudo isso, assim como é a tal da tão mencionada "responsabilidade social" empregada pelas mega-empresas.
Um falso alívio de consciência, eu diria.

Abração.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Acho importante a campanha da Zero Hora, o crack é uma praga e a ZH está alertando seu público consumidor que é plural e diversificado. Podem ser contra tudo que ZH faz, mas é impossível ser contra essa campanha. E tem muita menininha branquinha, pintadinha e abobadinha que está entrando na onda do crack, inclusive as filhas dos leitores de ZH.

Hélio Sassen Paz disse...

Guga,

Algo que escapa ao senso comum na crítica das práticas jornalísticas é o seguinte: o público-alvo do PIG guasca é a classe mérdia urbana da Grande POA. Anunciantes, profissionais da mídia corporativa e as referências sociais, culturais, econômicas e profissionais desse nicho restringem-se tão-somente à realidade construída a partir de seus valores pequeno-burgueses.

Para eles, é incômodo, difícil e preconceituoso ver que opiniões altamente capacitadas podem ser obtidas a partir de psiquiatras, delegados e assistentes sociais de carreira sem vínculo político-partidário e sem ranços nem vícios de quem não costuma subir morro ou por o pé no barro.

Depois de ter usado a etnografia como método da minha pesquisa, te garanto que NENHUM jornacrítico do PIG seria capaz de inserir-se dentro de uma comunidade humilde ou conviver na rua com pessoas que lhes causassem tamanho estranhamento.

Olha, não conheço o mundo. Mas dentre meus conhecidos jornalistas do PIG que se gabam de ter ido à Europa, ainda não tive notícia de nenhum que tenha conhecido algum desses países a partir de meia dúzia de breves perguntas a não mais do que quatro ou cinco habitantes de cada país visitado.

Eles não sabem nem extrair suco de uma amostragem pequena e já saem emitindo juízos de valor como se fossem médicos, advogados ou sociólogos.

Isso me indigna muito. Afinal de contas, a função do jornalismo não possui um caráter social?!

[]'s,
Hélio

Bruna disse...

Vopu colocar um trecho do teu post no meu facebook.
darei os credito!
Muito bom !!!!